In Memoriam – Ruth de Souza (1921 – 2019)
O Brasil perdeu um de seus grandes talentos.
Uma mulher forte, que superou o tradicional preconceito
racial, se tornou a primeira atriz brasileira a ser indicada ao um premio
internacional de cinema e soube, como ninguém, que Ruth era uma das nossas
maiores e fantásticas atrizes do teatro, do cinema e da televisão. Ruth Pinto
de Souza nasceu no bairro carioca de Engenho de Dentro, mas os pais se mudaram
para o interior de Minas à procura de trabalho. Ela morou até os nove anos de
idade, quando o pai faleceu, e a mãe decidiu voltar para o Rio de Janeiro, onde
moraram numa vila em Copacabana.
Aos 24 anos, conheceu o trabalho
do dramaturgo Abdias do Nascimento, no famoso Teatro Experimental do Negro.
Como sendo uma das melhores da turma, Ruth acabou entrando no elenco do filme
Terra Violenta, lançado em 1945, adaptação do romance Terras do Sem-Fim de
Jorge Amado. Foi no teatro que ela sedimentou sua carreira, ao subir no palco
do Teatro Municipal do Rio de Janeiro para interpretar o texto do americano
Eugene O’Neill, Imperador Jones, escrito em 1920.
A peça marcou a história do
teatro brasileiro por apresentar o primeiro grupo de atores negros atuarem numa
peça num dos mais importantes teatros brasileiros da época. Paralelamente a seu
trabalho no cinema, Ruth atuou num dos grandes momentos do teatro brasileiro em
1959, quando esteve ao lado de Nydia Lícia e Sérgio Cardoso, na adaptação do
clássico texto de William Faulkner, Oração para uma Negra.
Outro grande momento para a atriz
Ruth de Souza aconteceu durante o Festival de Cinema de Veneza, em 1954, quando
foi indicada ao premio de Melhor Atriz por sua intensa participação no filme
brasileiro Sinhá Moça (1953), sobre a luta contra a escravidão. Interpretando
Sabina, a escrava que sofre violências constantes pelo feitor, eu a usa para
sexo. Ela disputou com Katherine Hepburn (A Mulher Absoluta), Michelle Morgan
(Os Orgulhosos) e Lili Palmer (The Four Poster), quem levou o premio.
Mas as possibilidades após essa
honraria, eram infinitas para Ruty. Ela começou a ser escalada para
radionovelas, mas ainda mantinha os pés no teatro e eventualmente em filmes.
Trabalhou na Tupi e Record em vários teleteatros, até ser contratada para atuar
na telenovela de Ivani Ribeiro, A Deusa Vencida, exibida em 1965s pela TV
Excelsior. Em 1968, foi contratada pela Rede Globo, onde foi a primeira atriz
negra a estrelar uma telenovela, Passo dos Ventos, de Janete Clair, e logo em
seguida a adaptação do texto americano de A Cabana do Pai Thomas, estrelada por
Sergio Cardoso.
Ruth fez da TV seu segundo lar,
atuando em dezenas de sucesso da telinha, inclusive a versão de 1986 de Sinhá
Moça. Seu mais recente trabalho foi na minissérie Se Eu Fechar os Olhos Agora,
adaptação do romance de Edney Silvestre, sobre Madalena, uma idosa abandonada
nas ruas de São Paulo, que é “adotada” por dois garotos antes de ser brutal e
misteriosamente assassinada.
Talvez o melhor registro do
talento e da pessoa Ruth de Souza vem de sua biografa Maria Angela de Jesus,
que escreveu sobre a atriz na coleção Aplauso:
“Desce o pano. Nossa primeira
estrela negra se foi. A querida Ruth de Souza encerra uma trajetória
maravilhosa nos palcos, no cinema e na TV. Com 98 anos, Ruth foi pioneira em
tudo que fez. Sempre altiva mas humilde, não teve medo de se embrenhar por uma
carreira que parecia impossível para uma menina negra, de família pobre, de
poucos recursos. Enfrentou preconceitos, lutou por seu lugar ao sol e conseguiu
se colocar no panteão das grandes estrelas brasileiras. Em 2001, quando a
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo criou a coleção Aplauso, meu amigo e
crítico Rubens Ewald Filho, curador da coleção, me convidou para participar do
projeto. E ele me perguntou quem eu gostaria de biografar. Não tive dúvida:
Ruth de Souza, claro. Ruth foi grande. Uma das criadoras do Teatro Experimental
do Negro, ao lado de Abdias do Nascimento, fez uma linda Dêsdemona na montagem
de Orpheu, com um elenco negro no protagonismo. Ruth fez muito. Por
isso, é tão importante que a história dela esteja registrada neste livro que me
enche de orgulho e alegria. Escrever sobre Ruth me fez refletir sobre a minha
trajetória, sobre a minha própria vida. Tem uma frase dela que carrego comigo
até hoje: ‘Sempre lutei por meus sonhos. As pessoas não acreditavam que uma
menina negra e pobre pudesse ter sonhos. Mas nunca desisti dos meus sonhos, nem
mesmo diante de todas as dificuldades que enfrentei’. Descanse em paz, querida
amiga”.
Tags :