In Memoriam – Ruth de Souza (1921 – 2019)

O Brasil perdeu um de seus grandes talentos.

publicado em 03/08/2019 11:46:00

Uma mulher forte, que superou o tradicional preconceito racial, se tornou a primeira atriz brasileira a ser indicada ao um premio internacional de cinema e soube, como ninguém, que Ruth era uma das nossas maiores e fantásticas atrizes do teatro, do cinema e da televisão. Ruth Pinto de Souza nasceu no bairro carioca de Engenho de Dentro, mas os pais se mudaram para o interior de Minas à procura de trabalho. Ela morou até os nove anos de idade, quando o pai faleceu, e a mãe decidiu voltar para o Rio de Janeiro, onde moraram numa vila em Copacabana.

Aos 24 anos, conheceu o trabalho do dramaturgo Abdias do Nascimento, no famoso Teatro Experimental do Negro. Como sendo uma das melhores da turma, Ruth acabou entrando no elenco do filme Terra Violenta, lançado em 1945, adaptação do romance Terras do Sem-Fim de Jorge Amado. Foi no teatro que ela sedimentou sua carreira, ao subir no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro para interpretar o texto do americano Eugene O’Neill, Imperador Jones, escrito em 1920.

A peça marcou a história do teatro brasileiro por apresentar o primeiro grupo de atores negros atuarem numa peça num dos mais importantes teatros brasileiros da época. Paralelamente a seu trabalho no cinema, Ruth atuou num dos grandes momentos do teatro brasileiro em 1959, quando esteve ao lado de Nydia Lícia e Sérgio Cardoso, na adaptação do clássico texto de William Faulkner, Oração para uma Negra.

Outro grande momento para a atriz Ruth de Souza aconteceu durante o Festival de Cinema de Veneza, em 1954, quando foi indicada ao premio de Melhor Atriz por sua intensa participação no filme brasileiro Sinhá Moça (1953), sobre a luta contra a escravidão. Interpretando Sabina, a escrava que sofre violências constantes pelo feitor, eu a usa para sexo. Ela disputou com Katherine Hepburn (A Mulher Absoluta), Michelle Morgan (Os Orgulhosos) e Lili Palmer (The Four Poster), quem levou o premio.

Mas as possibilidades após essa honraria, eram infinitas para Ruty. Ela começou a ser escalada para radionovelas, mas ainda mantinha os pés no teatro e eventualmente em filmes. Trabalhou na Tupi e Record em vários teleteatros, até ser contratada para atuar na telenovela de Ivani Ribeiro, A Deusa Vencida, exibida em 1965s pela TV Excelsior. Em 1968, foi contratada pela Rede Globo, onde foi a primeira atriz negra a estrelar uma telenovela, Passo dos Ventos, de Janete Clair, e logo em seguida a adaptação do texto americano de A Cabana do Pai Thomas, estrelada por Sergio Cardoso.

Ruth fez da TV seu segundo lar, atuando em dezenas de sucesso da telinha, inclusive a versão de 1986 de Sinhá Moça. Seu mais recente trabalho foi na minissérie Se Eu Fechar os Olhos Agora, adaptação do romance de Edney Silvestre, sobre Madalena, uma idosa abandonada nas ruas de São Paulo, que é “adotada” por dois garotos antes de ser brutal e misteriosamente assassinada.

Talvez o melhor registro do talento e da pessoa Ruth de Souza vem de sua biografa Maria Angela de Jesus, que escreveu sobre a atriz na coleção Aplauso:

 

“Desce o pano. Nossa primeira estrela negra se foi. A querida Ruth de Souza encerra uma trajetória maravilhosa nos palcos, no cinema e na TV. Com 98 anos, Ruth foi pioneira em tudo que fez. Sempre altiva mas humilde, não teve medo de se embrenhar por uma carreira que parecia impossível para uma menina negra, de família pobre, de poucos recursos. Enfrentou preconceitos, lutou por seu lugar ao sol e conseguiu se colocar no panteão das grandes estrelas brasileiras. Em 2001, quando a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo criou a coleção Aplauso, meu amigo e crítico Rubens Ewald Filho, curador da coleção, me convidou para participar do projeto. E ele me perguntou quem eu gostaria de biografar. Não tive dúvida: Ruth de Souza, claro. Ruth foi grande. Uma das criadoras do Teatro Experimental do Negro, ao lado de Abdias do Nascimento, fez uma linda Dêsdemona na montagem de Orpheu, com um elenco negro no protagonismo. Ruth fez muito. Por isso, é tão importante que a história dela esteja registrada neste livro que me enche de orgulho e alegria. Escrever sobre Ruth me fez refletir sobre a minha trajetória, sobre a minha própria vida. Tem uma frase dela que carrego comigo até hoje: ‘Sempre lutei por meus sonhos. As pessoas não acreditavam que uma menina negra e pobre pudesse ter sonhos. Mas nunca desisti dos meus sonhos, nem mesmo diante de todas as dificuldades que enfrentei’. Descanse em paz, querida amiga”. 

Tags :

© Copyright BestTV 2024